"CORAÇÃO BERRANTEIRO.


Todos os dias, às 5 da manhã a Letícia se levantava e corria para a porteira da fazenda, 

atraída pelo som do berrante de alguém que ela amava muito. Ela e o Felipe cresceram 

juntos e desde bem pequenos nutriam um sentimento que foi crescendo e aumentando à 

medida em que os dois cresciam. Brincavam juntos por aqueles pastos, tomavam banho 

pelados no riacho que cortava a fazenda do coronel Márcio Martins, o pai da Letícia, 

e desde pequenos diziam para os amigos e coleguinhas da escola que iriam se casar 

quando crescessem.

Agora já adolescentes, a paixão explodiu com a força de um furacão e eles já não mais 

conseguiam esconder.

O problema é que o coronel Márcio Martins era inimigo político do coronel Severino 

Braga, o pai do Felipe e os dois jamais aceitariam o namoro dos filhos. Os encontros 

aconteciam sempre pela manhã bem cedinho quando o Felipe ia levar o gado para 

o pasto e às 5 da tarde, quando o moço tocava o berrante na porteira da fazenda, no 

momento em que trazia o gado de volta para o curral. Esses encontros diários eram 

sempre marcados pelo som do berrante que soava como música aos ouvidos da Letícia. 

À sombra de um grande ipê que crescera pertinho da porteira da fazenda os dois 

trocavam beijos e abraços, juras de amor eterno e faziam muitos planos para o futuro, 

pois o Felipe que tocava violão desde os 7 anos, sonhava em ser cantor conhecido no 

Brasil inteiro e ganhar muito dinheiro com o talento que Deus havia lhe dado e seu avô 

vinha insentivando desde que lhe deu de presente o seu primeiro violão e lhe ensinou os 

primeiros acordes.

O Felipe fazia dupla com o seu irmão mais velho, o Fabiano e a dupla tocava sempre 

nas festas da cidade, já tendo inclusive ganhado 3 festivais de música sertaneja 

promovidos pela emissora de rádio local. Era o Fabiano aliás que fazia bater mais forte 

o coração da Lidiane e da Brenda, as melhores amigas da Letícia. O Fabiano que junto 

com o Felipe sempre ajudou o pai na lida com a terra e o gado, agora estava indo para a 

capital, para cursar a faculdade de agronomia, deixando para trás dois corações partidos 

e muitas lágrimas derramadas quando o trem partiu levando o jovem violeiro.

Num domingo ensolarado o Felipe encheu-se de coragem e resolveu ir até a fazenda do 

coronel Martins para pedir a ele a permissão para namorar a sua filha única.

- Eu não criei minha filha pra se casar com tocador de viola, rapaz. Que futuro ocê acha 

que pode dar a ela? – Indagou o coronel com olhar severo.

- Eu garanto para o senhor que ela será feliz porque eu tenho por ela o maior amor do 

mundo. – Respondeu o moço com jeito inocente.

- E desde quando amor bota comida na mesa? – Indagou o coronel em tom sério.

- Mas eu sempre trabalhei, coronel. Eu sempre ajudei o meu pai na lida da fazenda. – 

Retrucou o Felipe.

- Olha rapaz. Eu e o seu pai nunca nos demos muito bem e eu tenho certeza de que 

ele também não deve fazer nenhum gosto no namoro entre ocê e a minha filha. Assim 

sendo ele vai deserdar ocê quando ficar sabendo dessa nossa conversa. Aí ocê vai ser 

um sujeitinho sem eira nem beira, não sendo o homem ideal para se casar com a minha 

filha.

- Quer dizer então que a sua última palavra é não, coronel? – Indagou o rapaz com voz 

firme.

- Essa é a minha última palavra. – respondeu o coronel levantando-se da cadeira e 

acompanhando o Felipe até a porta.

A Letícia que tinha ouvido a conversa de lá de dentro, por não ter tido coragem de 

aparecer na sala, trancou-se no seu quarto e começou a chorar. Chorou o dia inteiro 

e nem sequer quis almoçar. Já no final da tarde o coronel ordenou que a esposa fosse 

chamar a filha no quarto para que ele tivesse uma conversa com ela:

- Deixa a menina sossegada homem! – Exclamou a mãe tentando evitar um maior 

sofrimento para a sua filha.

- Vá chamar a Letícia, Soraia! Eu estou mandando! – Exclamou o coronel com olhar 

raivoso.

E lá se foi a dona Soraia convencer a filha a conversar com o pai. Ela veio cabisbaixa, 

expressando no rosto uma enorme tristeza visível por causa dos olhos vermelhos e 

inchados de tanto chorar.

- Sente-se aí. – Ordenou o coronel

- Eu só queria saber que culpa o Felipe tem do senhor e o pai dele serem inimigos, meu 

pai. – Observou a Letícia.

- Eu só vou falar isso pra ocê uma vez, minha filha. Eu não quero mais que ocê veja 

aquele sujeitinho. Ta me ouvindo?

- Aquele sujeitinho se chama Felipe e é o homem que eu amo e, nem o senhor e nem 

ninguém desse mundo pode arrancar esse amor de dentro do meu peito, meu pai. – 

Respondeu a garota com olhar firme.

- Eu não quero que ocê fique se encontrando com ele e eu nunca vou permitir que ocê 

se case com ele. Se ocê insistir nesse namoro, eu não concidero mais ocê como filha. 

Eu não quero a minha única filha casada com um filho daquele estrupício do coronel 

Severino Braga.

- O senhor não pode determinar quem eu devo ou não devo amar, meu pai.

- Pode voltar para o seu quarto. A nossa conversa já acabou.

Letícia voltou para o quarto ainda mais transtornada. Agora o coronel colocaria alguém 

para vigiá-la e ela e o Felipe não teriam mais como se ver.

No outro dia, como de costume, o berrante tocou às 5 da manhã, mas as portas da casa 

estavam trancadas e a Letícia não teve como correr para a porteira. À tarde o pai sentou-
se na varanda exatamente na hora em que o moço costumava recolher o gado e, mais 

uma vez, a jovem ouviu o som do berrante e não pôde encontrar o Felipe à sombra do 

ipê.

Uma semana se passou, sem que os dois se vissem, embora ele nunca deixasse de tocar 

o berrante quando passava em frente à porteira da fazenda. Numa madrugada de lua 

clara, a Letícia ouviu uma batida na janela e reconheceu a voz do Felipe pedindo para 

que ela abrisse. Mais que depressa a jovem abriu a janela e ele entrou em seu quarto.

A saudade era tanta que os costumeiros abraços e beijos não foram suficientes para 

compensar o tempo em que os dois ficaram sem se ver. O fogo do desejo tomou conta 

dos seus corpos e ela acabou se entregando para ele num momento mágico e sublime, 

tendo a lua por testemunha.

- Seu pai nunca vai aceitar o nosso casamento, Letícia. O único jeito vai ser a gente 

fujir, principalmente depois do que acabou de acontecer.

- Eu fujo com você na hora que você quiser, sem me importar nem um pouco se a gente 

não tiver um lugar certo para ir. – Respondeu a Letícia bastante segura em relação ao 

que estava dizendo.

- Eu vou preparar tudo direitinho e depois dou um jeito de mandar avisar prá você o dia, 

a hora e como a gente vai fazer para fujir. – Concluiu o rapaz antes de sair pela janela e 

ir embora.

No dia seguinte, a dona Soraia mandou um empregado da fazenda buscar a lidiane e a 

Brenda para passarem o final de semana com a Letícia, para ver se ela se animava um 

pouco. Isso acabou acontecendo porque a Letícia estava muito feliz com o que tinha 

acontecido na noite anterior e mais ainda com a possibilidade de fujir com o Felipe, 

como os dois estavam planejando.

- Mas se seu pai descobrir que você não é mais virgem ele te mata!

- Mata não, Lid. Só quem sabe disso é você e a Brenda. Nem prá minha mãe eu não 

contei.

- E não deve contar mesmo, Letícia. Aliás eu acho que você deve ir fingindo que está 

aceitando o que o seu pai quer. Faça de conta que você já se conformou e está até 

disposta a esquecer o Felipe.

- Você tem razão, Brenda. Só assim ele fica menos desconfiado e para de mandar me 

vigiar sempre que eu ponho os pés fora de casa. – Concordou a Letícia.

E assim foi feito. A Letícia voltou a fazer as refeições na mesa, voltou a tocar piano 

todas as tardes, como sempre fazia, tudo parecia estar voltando ao normal até o dia em 

que a costureira veio fazer a prova de um vestido que a dona Soraia tinha mandado 

fazer para usar num casamento em que ela e o coronel seriam padrinhos. O motorista 

que trouxe a costureira até a fazenda era um grande amigo do Felipe e, aproveitando o 

momento em que a dona Soraia e a costureira estavam ajustando o vestido, correu até a 

janela do quarto da Letícia e enfiou um bilhete do rapaz em baixo da janela. A Letícia 

leu o bilhete e ficou louca de felicidade ao ver escrito que em três semanas, na primeira 

noite de lua cheia, o Felipe bateria na sua janela às três da madrugada e os dois fujiriam 

juntos.

A mãe veio chamar a Letícia para ver o vestido e ela rapidamente guardou o bilhete 

no bolso do seu vestido, para que a mãe não o visse. Envolvida em outras atividades, 

a Letícia acabou esquecendo o bilhete no bolso do vestido e a lavadeira acabou 

encontrando e entregando-o ao coronel.

Ele nada disse e fingiu que nada sabia, mas exatamente no dia marcado para a fuga, 

chamou a filha na sala e disse:

- Hoje mesmo ocê irá para a capital com a sua mãe. Vamos matricular ocê num colégio 

interno, donde ocê só vai sair daqui a três anos, quando estiver formada professora.

- E quem disse que eu quero ir para um colégio interno? – Indagou ela.

- Ocê não tem que querer ou não querer. É o meu dever de pai da estudo a Ocê. Sua mãe 

já está arrumando as malas e a Marieta vai ajudar a arrumar as suas também. Assim que 

tiver tudo pronto, levo as duas para pegar o trem para a capital.

Enquanto chorava e enxarcava cada peça de roupa que colocava na mala, a Letícia 

se consumia em dúvidas. Será que o pai tinha descoberto o plano de fuga? E se ele 

descobriu, como isso teria acontecido?

Agora ela nada poderia fazer. Nem mesmo poderia mandar avizar o Felipe sobre o 

que estava sendo forçada a fazer. A angústia tomava conta do seu peito e as lágrimas 

vinham em cachoeiras.

A mãe, apesar de se angustiar vendo o sofrimento da filha, também estava de mãos 

atadas, pois não teria coragem de enfrentar o marido, aliás nunca tivera. No fundo 

ela sabia que o Felipe era um bom rapaz e que a birra do marido era por causa das 

desavenças políticas com o coronel Severino Braga.

No caminho da fazenda até a cidade a Letícia seguia como um boi segue para o abate. 

Morria um pouco por dentro a cada quilômetro percorrido pela caminhonete do pai. 

Viajou até a cidade chorando de cabeça baixa para não ver tudo o que estava deixando 

para trás.

Embarcou no trem sem nem se despedir do pai e não estendeu a mão para receber a sua 

bênção.

A viajem de trem durou o dia inteiro e a única coisa que a Letícia conseguia fazer era 

chorar e soluçar, sem dizer sequer uma palavra, o que deixava sua mãe ainda mais aflita 

e se sentindo impotente diante do que estava acontecendo.

Eram 5 da tarde quando o trem finalmente chegou apitando na estação da capital. No 

entanto, a Letícia tinha a ilusão de estar ouvindo o som do berrante e não o do apito do 

trem.

Na capital era tudo bastante diferente da fazenda e até mesmo da pequena cidade de 

Paraíso, onde a Letícia tinha passado toda a sua infância e adolescência. As ruas cheias 

de edifícios altos e bem juntos um do outro, as ruas asfaltadas onde milhares de carros 

corriam apressados, as pessoas passavam umas pelas outras sem sequer trocarem um 

simples bom dia. Poucas eram as flores, as árvores e até mesmo os pássaros pareciam 

cantar mais tristes. Era uma selva de pedra. Dormiram em um hotel e, no outro dia, às 

5 da manhã lá estava a Letícia na janela do quarto, imaginando que pudesse ouvir o 

inconfundível som do berrante. Mas o som que ela ouvia era o barulho dos carros, dos 

jornaleiros, leiteiros e vendedores de frutas e verduras e, até o carro que vendia botijão 

de gás, passou naquela rua naquele horário.

Desiludida e sem conseguir se acostumar com a nova realidade da sua vida, a Letícia 

chorava sem controle. Depois do café da manhã, que aliás a Letícia nem tocou, sua mãe 

a levou ao colégio para ser matriculada. O colégio era um prédio enorme, cercado por 

muros muito altos e com um grande portão de ferro e uma guarita sempre vigiada por 

um porteiro.

Havia um jardim na frente e um enorme refeitório, uma capela, uma biblioteca e as salas 

de aula no térreo. No primeiro andar ficavam os quartos, tanto os das alunas quanto os 

das freiras, todos com banheiros e grades nas janelas. Em cada quarto haviam 3 beliches 

para acomodar 6 alunas por aposento. Cada uma tinha direito a uma parte do guarda-
roupas, trancada e numerada, ficando cada uma com a sua própria chave.

Após a efetuação da matrícola e as informações sobre o funsionamento do colégio, a 

dona Soraia recebeu a lista de tudo o que era preciso comprar, desde roupas de cama e 

banho, até o material escolar e produtos de higiene pessoal. Ela então foi com a filha ao 

comércio da cidade para fazer as compras e almoçaram na rua mesmo.

A Letícia continuava apática, completamente alheia a tudo o que acontecia. Não 

almoçou, não opinou sobre nada do que estava sendo comprado para ela e apenas 

respondia ao que a mãe lhe perguntava.

Chegaram ao hotel já no fim da tarde, quando já estava escurecendo e só foi mesmo o 

tempo de tomar um banho, descer para jantar lá mesmo no hotel, subir para arrumar as 

coisas que a Letícia levaria no outro dia para o colégio e dormir.

No outro dia após o café da manhã, a dona Soraia foi deixar a Letícia no colégio e a 

despedida das duas foi bastante triste. A dona Soraia chorava de tristeza por ter que 

deixar ali a sua única filha e a Letícia além de ter que se separar da mãe, chorava por ter 

que ficar ali contra a sua vontade, por imposição do seu pai. Depois da saída da dona 

Soraia, a Letícia teve que ser amparada pelas freiras, pois estava aos prantos e soluçava 

sem parar. Aos poucos ela foi se acalmando até parar de chorar e ser conduzida ao 

quarto que iria dividir com mais 5 colegas.

Como as colegas ainda não tinham chegado, a Letícia ficou sozinha no quarto até o 

meio da tarde, quando chegaram mais duas outras ocupantes daquele aposento. Uma 

delas se chamava Flaviana e era da cidade de Pimenteiras no interior de Minas. A 

familia da Flaviana mandou a jovem para o colégio interno porque descobriu que 

ela tinha perdido a virgindade com um primo e o rapaz fugiu porque o pai dela queria 

obrigá-lo a se casar. A outra era a Rute, uma garota mais quieta que tinha vindo da 

cidade de Caldeirão da Onça, também em Minas Gerais. Os pais da Rute resolveram 

mandá-la para aquele colégio, simplesmente porque em Caldeirão da Onça não tinha 

escola com segundo grau e eles não tinham parentes que pudessem receber a Rute na 

capital.

As duas companheiras de quarto logo se preocuparam com a tristeza da Letícia e se 

comoveram com a sua estória. Começaram a conversar, trocar idéias e isso foi muito 

bom para a Letícia que sem a Lidiane e a Brenda, sentia falta de amigas para conversar.

Os dias foram se passando e as meninas foram se acostumando com a rotina do colégio. 

Era hora para acordar, prá comer, para assistir aula, para estudar, para recreação, para 

assistir à missa, tudo tinha horário que deveria ser rigorosamente cumprido. Quem tinha 

parentes poderia sair nos finais de semana e quem não tinha, como era o caso da Letícia, 

tinha que ficar no colégio. Aí tinham direito a assistir TV, jogar baralho ou pingpong, 

ler livros ou revistas e até estudar, se precisasse colocar alguma matéria em dia.

A Rute também não tinha parentes em Belo Horizonte e ficava sempre no colégio, 

junto com a Letícia. Já a Flaviana, ia a cada 15 dias passar o final de semana na casa 

de uma tia e já estava planejando uma vinda da sua tia ao colégio, para conseguir uma 

autorização para levar a Rute e a Letícia para passarem um fim de semana fora daquela 

prisão.

Num Sábado em que estavam as três no colégio, a Letícia recebeu uma carta da Lidiane 

dando conta das novidades de Paraíso. Ela contava na carta que o Felipe tinha ido 

embora de Paraíso, logo depois do fracasso do plano de fuga. Sem a namorada e sem o 

irmão para continuar com a dupla, o rapaz colocou uma mochila e o violão nas costas e 

foi tentar a vida lá fora e o pior de tudo era que ninguém da cidade sabia dizer para onde 

ele tinha ido.

Aquela notícia abriu como uma faca as feridas da alma da Letícia que sequer tinham 

se fechado completamente. Foram mais dois dias de um chororô sem ter fim, sendo de 

grande valia o apôio da Flaviana e da Rute.

Mais algumas semanas se passaram e a Letícia recebeu uma carta da Brenda dando 

conta de que ela estava namorando um rapaz chamado Rivaldo, filho do novo médico 

que tinha vindo morar em Paraíso. Ela disse que a Lidiane estava de paquera com um 

rapaz de nome Pedro Henrique, filho do delegado recentemente nomeado para assumir 

a pacata delegacia de Paraíso. Ela disse que não tinha notícias do Felipe, mas que o 

Fabiano chegaria à cidade em duas semanas, para passar as férias e que ela tentaria ver 

se ele sabia de notícias do irmão.

O tempo ia se passando e as coisas iam se acomodando. A Letícia já não chorava mais, 

talvez porque já tinha chorado todas as suas lágrimas. Ela e as suas amigas iam muito 

bem nos estudos e por isso ganhavam o direito de saírem nos fins de semana. A dona 

Zélia, tia da Flaviana, tinha conseguido uma autorização para levar a Letícia e a Rute 

para a sua casa nos fins de semana em que a Flaviana podia ir.

A Letícia ficou sabendo através de uma carta da Brenda que o Fabiano estava passando 

férias em Paraíso e, por isso o o namoro entre a Brenda e o Ricardo tinha acabado e 

o da lidiane com o filho do delegado nem sequer tinha começado. Infelizmente nem 

o Fabiano tinha notícias do Felipe, o que deixava o coração da Letícia esmagado de 

preocupação e angústia. O Fabiano tinha conhecido um outro cantador na capital 

mineira e os dois tinham formado uma dupla sertaneja que começava a fazer sucesso 

nas festinhas das repúblicas de estudante e em alguns barzinhos da capital.

Depois daquela carta da Brenda, a Letícia ficou mais um tempão sem notícia das coisas 

em Paraíso. Sua mãe ligava sempre aos domingos quando ia até a cidade para assistir à 

missa e ver alguns parentes e amigos da familia.

Já fazia mais de um ano que a Letícia estava estudando na capital quando recebeu uma 

carta da Lidiane, dando conta de que o Luís Carlos, o filho do prefeito, tinha se formado 

advogado e estava de volta para morar em Paraíso. O coronel Martins e o prefeito 

Gerônimo Saturnino já estavam alardeando que o casamento dos seus filhos únicos 

já era coisa certa, dependia apenas da filha do coronel voltar da capital formada em 

professora.

Aquela notícia deixou a Letícia ainda mais angustiada e apreensiva, pois apesar do Luís 

Carlos ter sido seu amigo de infância e de ser uma boa pessoa, ela nunca sentira e nem 

sentiria nada por ele além de uma grande amizade. Além de ser obrigada a estudar num 

colégio interno, ser também obrigada a se casar com um homem que não amava, era 

demais para a cabeça da Letícia.

Num desses finais de semana que as três amigas passaram na casa da tia da Flaviana, 

aconteceu um baile em benefício da paróquia que a dona Zélia freqüentava e não só ela 

foi com a sua filha à festa, como levou a sobrinha e as amigas. O baile seria animado 

por uma dupla sertaneja chamada Fábio e Fabiano. O susto da Letícia só não era maior 

do que a alegria que ela sentiu ao reconhecer no pequeno palco do salão paroquial o 

Fabiano irmão do seu amado Felipe.

Assim que a banda fez o intervalo, o Fabiano desceu correndo do palco para abraçar a 

Letícia, que a muito tempo ele não via.

- E aí, Fabiano? Você tem notícia do Felipe? – Indagou a Letícia ansiosa.

- Eu recebi uma carta dele na semana passada. Foi a primeira vez que ele me escreveu 

depois que foi embora de Paraíso.

- E onde e como ele está?

- Ele está morando em Mato Grosso. Ele disse que tem sido tudo muito difícil prá ele, 

mas que agora ele está cantando numa banda country.

- E ele já tem alguém por lá? – Perguntou a Letícia com receio de ouvir uma resposta 

afirmativa.

- Isso ele não me disse. Mas ele me perguntou de você. Queria saber como você estava, 

se eu tinha visto você durante esse tempo e se você já tinha outro namorado ou se ainda 

esperava por ele.

- Eu nunca esqueci e nunca vou esquecer o seu irmão, Fabiano. Se você for responder 

a carta dele, diga que eu penso nele em cada segundo dos meus dias e que às vezes eu 

tenho até a impressão de estar ouvindo o som do berrante dele, nos momentos em que 

ele costumava tocar para me avisar que estava me esperando à sombra do ipê.

O Fabiano anotou tudo num papel onde também anotou o enderesso do colégio da 

Letícia para que eles continuassem a se comunicar através de cartas. Em outro papel o 

Fabiano anotou o endereço da pensão onde morava e entregou à Letícia.

Agora além das cartas da Lidiane e da Brenda, a Letícia também recebia e respondia 

as cartas do Fabiano. Em uma dessas cartas o Fabiano deu notícia de que a dupla da 

qual ele fazia parte estaria gravando o seu primeiro DVD. Seria uma festa simples onde 

o público era na sua maioria o pessoal da faculdade. O DVD sairia por uma pequena 

gravadora, mas já era um grande progresso.

Tudo ia bem até que a Letícia recebeu um telefonema da sua mãe comunicando que 

iria buscá-la para passar o Natal e o Ano novo em Paraíso, pois o coronel e o prefeito 

planejavam oficializar o noivado dos filhos na festa de ano novo. Aquela notícia caiu 

como uma bomba para a Letícia que não conseguia sequer imaginar o absurdo que 

seria o seu pai forçar o seu casamento com um rapaz que ela não amava, só por arranjos 

políticos com o prefeito da cidade.

Infelizmente ela teve que ir e ficar noiva contra a sua vontade. Foi aí então que a Brenda 

teve a idéia de que a Letícia deveria contar ao Luís Carlos que ela já não era mais 

virgem para ver se ele desistia de se casar com ela. Em vez de desistir, o rapaz jurou 

não contar nada para ninguém e manter o casamento, pois se o pai dela arranjasse outro 

noivo, o outro poderia não compreender e expor a Letícia a um constrangimento ainda 

maior.

Não tinha mesmo jeito. O Noivado se concretizou e o casamento ficou marcado para 

Janeiro do ano seguinte, visto que a Letícia se formaria em Dezembro.

A Letícia voltou completamente atordoada para retomar os estudos na capital mineira. 

Quase 6 mezes se passaram sem que ela recebesse nenhuma carta do Fabiano e ele nem 

respondera as duas que ela havia mandado para o moço depois que voltou de Paraíso. 

Era preciso falar com o Fabiano o mais rápido possível, para ver se ele conseguia 

convencer o Felipe a voltar para Minas, para impedir que aquele casamento acontecesse.

No meado do mês de Setembro finalmente o Fabiano escreveu para a Letícia dizendo 

que o DVD tinha dado certo e que ele estava viajando bastante para divulgar o novo 

trabalho. Ele disse ainda que estava tendo problema com o parceiro de dupla e que 

estava pensando em uma maneira de trazer o Felipe para voltar a fazer dupla com ele 

em Minas.

Ela então escreveu para o Fabiano, narrando tudo o que já tinha acontecido e a desgraça 

que estava prestes a acontecer que seria o seucasamento com o Luís Carlos.

O Fabiano respondeu prometendo fazer de tudo para impedir o casamento da amiga, 

e garantindo que o irmão voltaria correndo assim que soubesse de tudo o que estava 

acontecendo.

Chegou o mês de Dezembro e a Letícia finalmente se formou professora. Seus pais que 

vieram assistir à formatura, levaram a jovem de volta a Paraíso, logo depois da festa da 

formatura.

Com o casamento já marcado para o dia 6 de janeiro, só restava à Letícia escrever para 

o Fabiano comunicando a data e lembrando que pouco tempo restava para que algo 

fosse feito. Como a Letícia já estava na fazenda e seria arriscado escrever para ela, o 

Fabiano então escreveu uma carta para a Brenda e outra para a Lidiane pedindo para 

que elas acalmassem a amiga, pois o Felipe chegaria em Paraíso a tempo de impedir que 

o casamento da Letícia acontecesse.

Os dias se passavam e o momento trágico se aproximava. A Letícia viu sua casa na 

cidade ser montada, seu enxoval ser preparado, a festa ser organizada, os convites 

serem enviados e nada, nenhum sinal do Felipe e nem do Fabiano. A cada dia que 

se passava, o coração da moça se despedaçava em seu peito e a angústia ocupava 

diariamente o lugar que deveria ser da alegria.

O dia chegou e, na hora marcada, lá estava a Letícia entrando na igreja levada pelo 

pai. Já sem esperanças de que algo pudesse impedir o que parecia tãocerto, a Letícia 

caminhava em direção ao autar como um condenado caminha em direção à forca. O 

padre então iniciou a cerimônia e o casamento seguia numa impiedosa marcha rumo ao 

precipício.

Quando o padre perguntou se alguém tinha algo contrario à realização daquele 

matrimônio, a Letícia ouviu um som que a fez estremecer. Era ele mesmo, era o Felipe 

que tocando o berrante acabara de entrar correndo na igreja.

- Eu tenho sim, seu padre. Esse casamento não pode acontecer porque não existe amor 

entre os noivos. Luís Carlos, eu sei que você tanto quanto eu e a Letícia quer que todos 

nós sejamos felizes. Você não será feliz se casando com uma mulher que não te ama. 

A Letícia não será feliz se casando com um rapaz que ela não ama e eu não serei feliz 

vendo a mulher que eu amo se casando com outro cara sem que exista amor.

Naquele momento ouviu-se na igreja um sonoro “oh!” e o Felipe continuou:

- Letícia! Agora é você que escolhe. Você quer se casar com o Luís Carlos ou quer vir 

comigo?

- Eu peço desculpas ao Luís Carlos e à minha mãe, mas eu não posso abrir mão da 

minha felicidade. Eu vou com você, Felipe.

Diante dos olhares dos atônitos convidados, a Letícia, ainda vestida de noiva, montou 

na garupa do cavalo do Felipe e ele, tocando o berrante, chegou a espora no cavalo que 

partiu em um galope cortando o vento que fazia voar o véu da noiva que, na sua garupa, 

certamente não sabia para onde iria, mas sabia que iria ser feliz. "

by Libia Dourado

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