A ESCRAVA ANGÉLICA
Por Lídice Cambui
Era fim dos anos 40.
Eis que numa cidadezinha
simples do interior, Augusto desce a sua tão conhecida rua (aquele caminho que
tantas vezes fizera para a casa da sua noiva) carregando a aliança da amada na
mão fechada, olhando incrédulo e as lágrimas insistentes escapando aqui e
ali.
“Maldita”, pensava ele com os seus botões .
Mas como tudo passa, a gente querendo ou não, ele conheceu
Angélica, uma doce e inocente criatura de um povoado vizinho que o chamou atenção pela beleza.
Mais que depressa , no ímpeto da vingança . na pressa de curar um
amor com outro amor , ele se aproximou de Angélica e a pediu aos pais dela .
Mas a verdade, Augusto nunca iria deixar de amar sua noiva pelo resto dos seus
dias .
Angélica , por submissão e também por paixão, obedece cegamente
cegamente ao seu marido. Ela não tinha outra opção , e talvez mesmo se
tivesse... Nada de anticoncepcionais, nada de cortar o cabelo, nada de fazer as
unhas . Da pia pro fogão, do fogão pro ferro de brasa, assim era a vida dela.
Década de 70.
Os anos foram se passando , era um filho por ano. Uma escadinha de
12 crianças e uma traição no meio do caminho q doeu muito mais que os 12
partos, todos normais apenas um deles por fórceps.
Angélica entra em casa vindo de algum afazer doméstico, e ao
entrar em seu quarto, surpreende o marido com a sua comadre e parteira de
confiança. Sem
acreditar, Angélica chorou muito , mas divórcio também não era uma opção na
época . Era socialmente inaceitável perante os padrões da época, e
totalmente inviável de todos os pontos de vista
imagináveis. Pobre Angélica! Logo ela , do interior e tão religiosa.
Eis que essa pulada de cerca do Augusto gerou dois filhos
bastardos que não conheceram o pai, porque a mãe deles se mudou para bem com eles
antes mesmo q nascessem. Comadre Maria nunca mais voltou.
Augusto foi um bom provedor, trabalhador incansável, foi
agricultor , foi caminhoneiro e foi um ingrato .
Década de 80
Angélica, por dentro um acúmulo de tristeza, começa a sentir
sérias dores de cabeça. Um belo dia , ainda morando na fazenda, passou muito
mal e foi trazida para a cidade para ser cuidada pelas filhas. Nesse meio
tempo, cuidada pelas filhas, porque Augusto não tinha a menor sensibilidade nem
preocupação, Angélica teve o primeiro e o segundo derrame. Voltou desenganada
do hospital, mexia apenas os olhos, enquanto os filhos velavam, oravam e
choravam.
Augusto entregou a responsabilidade aos filhos como se entrega um
cão morto ao lixão.
Angélica se recuperou do derrame, mas ficou sem memória ,
tornando-se dependente, isso aos 60 anos de idade.
Augusto, aos 65, no auge da sua saúde de ferro, voltou a morar na
sua cidade de origem e mal perguntava pela esposa. Quando
a esposa ia passar uns dias com ele , ele alegava que ela dava muito trabalho.
De modo que Angélica ficou morando quase que definitivamente na casa
das filhas .
Interessante que mesmo desmemoriada, ela sempre se referia a
“ele”, “meu marido”, “quero ir pra minha casa”.
Mas como ninguém sai dessa vida sem pagar o preço, aos quase 80
anos , Augusto teve um problema no coração que precisou usar marcapasso. Algum
tempo depois, por falta de repouso, teve uma infecção nesse marcapasso. Ficou a
beira da morte, mas ninguém morre antes de pagar tudo. Era necessário que ele
sofresse mais um pouco.
Angélica morre aos 85 anos, de uma parada renal causada pela
isquemia, ataque de diabetes. Sofreu muito antes de morrer, mas descansou em
paz e apaixonada pelo único homem que teve na vida.
Mas Augusto,
ah Augusto não! Augusto continua na terra mais um pouco, já sem muita
consciência do que se passa em redor. Geme com dores, não come quase nada, não
dorme praticamente nada. É o próprio sofrimento. Ele pede a morte todos os
dias, mas nem ela o escuta, parece que se esqueceu completamente dele , que já
completa 94 anos . Suas filhas , perplexas e cansadas, não entendem como alguém
pode resistir vivo tanto tempo passando por tanto sofrimento. Filhos legítimos
e bastardos se encontraram, choraram juntos e se uniram para cuidar do Augusto,
agora quase vegetando.
Deus e a vida sabem de tudo. Aqui se faz, aqui se paga.
obs; ESSA HISTÓRIA É REAL, APENAS OS NOMES DAS PESSOAS FORAM MUDADOS .
Vc arrasa Amiga!!❤
ResponderExcluirOh ..😍
ResponderExcluirParabéns pelo que vc escreve 👏
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